psicóloga clínica da rede quepaz ajuda você a diferenciar esforço saudável de desgaste emocional.
De tempos em tempos, um dos nossos planos é trazer com mais frequência, aqui no blog, a voz de quem vive o cotidiano da clínica — escutando histórias, percebendo tendências emocionais do nosso tempo e acompanhando, de perto, as dores e delícias da vida adulta.
Neste texto, convidamos uma terapeuta querida da nossa rede para compartilhar seu olhar sobre um tema que atravessa muitos de nós: a dificuldade de equilibrar autocobrança e autocuidado.
A Mayara Amaro (CRP 14/06650-9) é psicóloga, com formação em Terapia Cognitivo-Comportamental. Atende on-line e tem um jeito muito próprio de cuidar: próximo, envolvido e responsável. Na clínica, ajuda pacientes a enxergarem os próprios pensamentos por novos ângulos, a reduzir a autocrítica e a construir uma relação mais leve consigo mesmos, especialmente quem convive com ansiedade, perfeccionismo, exigência interna ou está em fases de mudança.
Convidamos a Mayara justamente por isso: porque seu consultório é um espaço onde firmeza e delicadeza caminham juntas e, onde se aprende, aos poucos, que transformação não precisa ser dura, mas pode ser gentil, honesta e no tempo de cada pessoa.
A seguir, deixamos que a May conduza o caminho: perguntas que tocam o cotidiano e respostas que acolhem aquilo que, muitas vezes, sentimos, mas nem sempre conseguimos nomear.
A autocobrança é sempre ruim?
Não, a autocobrança não é sempre ruim.
Existe uma forma saudável dela, que nos organiza, nos orienta e até nos motiva.
Quando falamos em autocobrança, é comum ver a imagem daquela voz interna crítica, insatisfeita e pesada. Mas a autocobrança não precisa ser assim. Quando ela aparece de forma moderada, realista e alinhada aos nossos valores, pode se tornar uma fonte de incentivo: aumenta a motivação, dá direção, fortalece o senso de competência e nos aproxima do que importa.
Ou seja: o problema não é se cobrar — é quando essa cobrança deixa de ser orientação e vira ameaça.
Em níveis equilibrados, a autoexigência contribui para bem-estar, realização e autoconfiança.

Em que momento ela deixa de ajudar e passa a fazer sofrer?
Geralmente, essa virada não acontece de forma brusca. Não existe um “clique”. É um processo gradual.
O que antes era um impulso de crescimento começa a se misturar com medo, culpa ou uma busca por perfeição constante. As expectativas ficam irreais e inflexíveis, e qualquer erro passa a parecer imperdoável.
Sabe quando você conversa com uma amiga e, depois, passa horas ruminando cada palavra, revisitando “erros” antigos como se estivesse presa num loop emocional? Esse tipo de ruminação mantém o corpo em alerta, como se algo ruim estivesse sempre à espreita.
Com o tempo, isso drena energia. Surge o cansaço emocional, a exaustão e até a procrastinação — não por preguiça, mas pelo medo de não conseguir fazer “do jeito certo”.
A autocobrança começa a atravessar tudo:
- o sono piora,
- o humor oscila,
- a autoestima se fragiliza,
- as relações ficam mais difíceis.
E você se percebe mais irritada, mais triste, mais inadequada ou até mais isolada.
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Por que o autocuidado some justamente quando mais precisamos dele?
É curioso, né?
Quanto mais sobrecarregadas estamos, mais difícil fica praticar autocuidado — e não porque “não sabemos nos cuidar”.
Quando estamos ansiosos ou emocionalmente esgotados, o sistema nervoso entra em modo de sobrevivência. E, nesse estado, o cérebro prioriza aquilo que parece urgente: resolver problemas e se proteger.
O autocuidado — que é preventivo, gentil, sem imediatismo — não aparece como prioridade. Ele não resolve o “perigo” do agora, então o cérebro deixa para depois.
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Por que descansar ainda provoca tanta culpa?
Muitas de nós crescemos ouvindo, direta ou indiretamente, que valor tem a ver com produtividade. Que “bom mesmo” é quem rende, quem dá conta, quem nunca para.
Então, quando o corpo pede descanso, o cérebro interpreta como falha.
A culpa aparece porque descansar contraria a lógica do desempenho contínuo. É como se uma voz interna dissesse:
- “você não fez o suficiente para parar”,
- “tem gente fazendo mais do que você”,
- “e se isso te fizer perder o controle?”.
Além disso, descansar exige vulnerabilidade. Exige admitir limites, reconhecer necessidades e aceitar que não somos máquinas. Para quem recebeu validação pelo desempenho, isso toca feridas profundas: medo de não ser suficiente, de decepcionar alguém, de perder valor.
O que faz o autocuidado realmente caber no cotidiano?
O autocuidado começa a existir de verdade quando deixamos de tratá-lo como ideal perfeito — e passamos a vê-lo como algo possível.
Não é sobre grandes rituais; é sobre pequenos gestos que cabem na vida que você já tem.
Alguns pontos importantes:
- Autocuidado não é recompensa; é necessidade básica.
- Flexibilidade é essencial: em vez de “preciso fazer tudo”, a pergunta vira “o que dá para fazer hoje?”.
- Às vezes é uma pausa de três minutos.
- Às vezes é beber água.
- Às vezes é pedir ajuda.
Quando o autocuidado se adapta ao seu momento — e não você ao autocuidado — ele finalmente passa a existir.
Como a terapia ajuda nesse equilíbrio?
A terapia oferece um espaço seguro para entender por que nos cobramos tanto e de onde vêm essas expectativas. Com essa clareza, fica mais fácil diferenciar motivação de medo ou perfeccionismo.
O processo terapêutico também ajuda a:
- desenvolver autocompaixão,
- ajustar metas para algo mais humano,
- reconhecer sinais de esgotamento,
- criar rotinas de autocuidado possíveis.
E talvez o mais transformador: na terapia, a pessoa vive uma relação onde não precisa performar. Isso vira um modelo interno de como se tratar com mais gentileza.
Por fim… esperamos que a fala cuidadosa da May tenha tocado algo importante aí dentro: talvez um alívio, talvez reconhecimento, talvez só a certeza de que sentir-se assim também é humano.
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Obrigada pela companhia até aqui.
Até o próximo texto ✨
Com carinho,
Maria Isabel & Mayara Amaro




